Levando a vida na flauta

As aulas terminaram em cima do Natal e a flauta ficou em cima do piano, sendo que entre ele e a parede há uma fresta larga o bastante para a flauta rolar para trás dele.

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Compras de Natal atrasadas, doenças na família, milhões de compromissos para finalizar o ano, porque nunca se sabe, se o mundo vai acabar. Torneios, festas de Natal de várias associações de esporte, comemoração da turma do filho, amigos querendo lhe rever antes que a profecia de Nostradamus se cumpra ou algum meteorito acabe com a vida na Terra. Bazar de Natal da turma da filha, para o qual você contribui com 6kg de biscoitos feitos por você com muito carinho e amor, além das tardes passadas com a filha e suas amigas na frente do forno. E depois a cozinha num estado de petição de miséria, que você mesma irá limpar. Provas e trabalhos feitos e entregues. Notas só em janeiro!

Preparativos para o Natal a mil. Aqui são três dias para comemorar. Resolvo me concentrar apenas no Natal e pensar que o Reveillon passaremos os quatro de pijama, ou então viajamos no improviso. O que cozinhar para nove pessoas, sendo que duas delas têm deficiência, não conseguem cortar uma carne, falta-lhes uma mão para empurrar a comida? Faço três camas extras: para a irmã e os sobrinhos, realoco duas crianças para o sótão da casa.

A flauta continua lá em cima do piano!

E antes que no dia 23 eu vá pegar minha irmã com os sobrinhos de mala e cuia em Frankfurt, resolvo guardá-la, para que ela não role para trás do piano. Afinal quem é que vai mover um piano que deve pesar uns 150kg, só para pegar uma flauta doce atrás dele?

Vou arrumando as coisas aqui, crianças já em ritmo de férias, e eu percebendo que as “minhas férias” acabaram. O ritmo daqui pra frente vai ser alucinante. Pego a flauta e coloco na parte de cima de um armário.

Sobrevivi ao final do ano e à bronquite alérgica que me mostrou que eu precisava desacelerar, no começo do ano. As aulas recomeçam e eu me esqueço que é justo na segunda-feira que o filho tem aula de música. Ele volta pra casa, contando que a professora até foi compreensiva. Mas que na próxima semana a flauta tem que ir à aula. Aí eu olho pro piano, no hall de entrada. Me lembro da flauta…

E toca a procurar. Primeiro nos armários e cômoda, no hall de entrada, onde fica o piano. Reviro  até o quartinho do Harry Potter embaixo da escada, que é o armário de sapatos e agasalhos das crianças. Serve também para quando as visitas chegam de surpresa e improvisamos a bagunça, jogando alguma tralha ali dentro. Quando meu filho viu o filme pela primeira vez cismou que queria que seu quarto fosse dentro do armário.

Nada! Resolvo ir adiante para o armário de casacos de adulto, na área de serviço. Penso no alto, reviro as duas prateleiras superiores. Necas! Três pulinhos pra São Vito! Bulhufas! O marido começa a ajudar na busca. Até o alemão resolve dar três pulinhos!

Passo a semana procurando, abro até o freezer, na última esperança que nunca morre. Sábado chega e pensamos então que a solução é levar uma outra flauta, que não foi a da escola usada pela filha, e não é soprano. Quem sabe a professora nem repara a diferença na hora em que a criançada começar a tocar o apito, digo flauta (tem instrumento mais chato?).

À noite, vou botar o filho na cama, e me aborreço pensando na maldita. Abro mais uns armários, espio nas prateleiras à altura dos meus olhos, vou até o nosso quarto dormir, e abro o armário, onde nas duas prateleiras superiores, guardamos os remédios da família. Lá está a queridinha morrendo de rir da minha cara.  Escuto até suas gargalhadas altas: “HA HA HA HA!”.

Onde eu estava com a cabeça quando guardei a flauta junto aos remédios?

Missão completa! Hoje é segunda-feira e o apito, ups, flauta, vai na mochila pra escola. Neve no chão, dia lindo. Amo as manhãs  de segunda, porque consigo relaxar que é uma beleza. Dá até tempo de escrever um textinho ou outro . E a casa continua uma bagunça, claro.

 

Um comentário em “Levando a vida na flauta

  1. Amei o texto.
    Principalmente a parte da limpeza da cozinha.
    Eu sempre digo aqui em casa que tenho que limpar, passar, lavar, cozinhar, porque ninguem vai me ajudar.
    E olha que somos so tres.

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